«Estamos de tal maneira habituados à dicotomia que opõe a escrita "literária" à "comercial" que nem nos lembrámos de rotular ou sequer considerar a via intermédia, aquela via para o processo criativo que é a melhor para todos e a mais conducente a uma escrita que agrade tanto a snobes como a vendidos».
O tiquetaque incessante do relógio irritava-me. Aqui estava eu, sozinho à secretária, a fingir concentrar-me. Ela estava atrasada. Olhei para o computador, mas a página em branco fazia troça de mim, assombrava-me até nos meus piores pesadelos. Voltei a olhar para o relógio. Nada.
O sonho da noite anterior ainda estava quente, em brasa na minha memória. Há quantas horas não dormia? Perdi-lhes a conta. Mas quem poderia dormir com aquelas imagens aterradoras, dela, de mim, daquela cor viva e incandescente... O som rude do maldito relógio interrompeu-me os pensamentos novamente. Mas o que a fazia demorar tanto?!
Uma batida estrondosa na porta reverberou no meu peito. Era ela! Corri para a entrada, num frenesim apaixonado e doentio. Escancarei a porta e nem vi quem estava do outro lado. Porém, as palavras que ouvi não eram doces e meigas como estava à espera.
No seguimento da carta que escrevi a todos os livros que comprei e ainda não li...
Não sei se vos acontece o mesmo, mas penso que acontece a todos os leitores. A estante de livros em casa não pára de aumentar, e continuamos a adicionar livros. A chamada pilha TBR (to-be read). Entretanto, há momentos em que olhamos para esta pilha de livros e não conseguimos evitar... um certo sentimento... de culpa.
Aliado, claro está, ao sentimento momentaneamente arrebatador de pânico que se apodera de nós: "meu deus, nunca irei conseguir ler todos os livros que quero. Vou morrer antes disso!". E será mesmo verdade? Quer dizer, não consigo deixar de reparar que, com a idade, redirecionamos os nossos interesses. Mesmo olhando para a lista de livros que adicionei no meu Goodreads, já houve títulos que retirei dos meus interesses - simplesmente porque já não são apelativos para mim como antes foram.
E será assim tão mau nunca deixar de ter livros para ler? Se tivesse lido tudo o que queria e, finalmente, ficasse sem nada para ler, isso sim, seria mesmomau.
Então porque sentimos culpa? Sentimo-nos em falta para com os livros que estão por ler na estante? Connosco próprios, que não lemos o suficiente? Que estamos a ficar para trás? Ou porque não temos tempo para ler como gostaríamos?
Mas a verdade é que não nos devíamos sentir assim. Afinal, ler é um passatempo. É um prazer que escolhemos para nós mesmos. Portanto, porquê ficar ansiosos com isso?
À medida que escrevo isto, começo a aperceber-me: se calhar somos mesmo nós, com as nossas expetativas e fasquias tremendamente altas, que impomos essa exigência em nós. Resultado: ficamos ansiosos e sentimo-nos em falta com alguma coisa... e especialmente connosco próprios. Mas que raio... porquê? Porquê colocar esta pressão em cima de nós próprios, ainda por cima num ato que deveria ser livre de julgamentos e ansiedade?
A todos os que se sentem assim de vez em quando, tenho uma ideia. Vamos aceitarmo-nos como somos, e manter as nossas leituras o que elas são na sua essência: uma fonte de prazer e de escape da vida real. Não interessa que não tenhamos lido aquele clássico intemporal obrigatório (obrigatório para quem, afinal?), ou que não consigamos ler mais do que 5 livros por ano. Lemos porque gostamos, e nada deveria interferir nisso - nem os nossos critérios impossíveis de alcançar.
Será que algum dia vou conseguir ler todos os livros que quero?
Com a pilha de livros na estante a aumentar todos os meses, não conseguimos evitar entrar numa espiral de negatividade sem fim, porque afinal de que vale tudo isto se não conseguimos ler tudo o que queremos ler?!
Bom. A todos esses livros por ler que estão na minha estante, quero dizer o seguinte: